Antônio Geraldo da SilvaDivulgação

Se você imaginou que este texto começaria apontando culpados pelo aumento dos índices de obesidade infantil no Brasil e no mundo, é importante dizer, com todo o cuidado, que não é esse o caminho. A obesidade é uma condição complexa, multifatorial, e envolve uma teia de fatores biológicos, metabólicos, sociais, emocionais e familiares. E dentro dessa rede de causas e efeitos, os transtornos psiquiátricos também ocupam um espaço significativo, e é sobre isso que desejo refletir com você.
Há evidências científicas consistentes de que mudanças no estilo de vida são eficazes na prevenção e no enfrentamento da obesidade infantil. Crianças que têm o a uma alimentação equilibrada, praticam atividades físicas, mantêm uma rotina de sono adequada e vivem relações afetivas seguras e estruturadas, apresentam menor risco de desenvolver obesidade. Mas sabemos que, na realidade, nem sempre isso é possível. E aqui, sem buscar culpados, é necessário reconhecer: os adultos, pais, responsáveis, educadores, cuidadores, têm um papel decisivo. São eles que ofertam os alimentos, que organizam o ambiente emocional, que regulam o cotidiano das crianças.
Nesse contexto, também precisamos repensar o lugar simbólico que damos aos alimentos. É comum que doces e ultraprocessados sejam usados como prêmio ou moeda de troca, o que reforça, desde cedo, a ideia de que esses produtos representam afeto ou conquista. Quando associamos esses alimentos ao merecimento ou à obediência, colocamos no imaginário da criança um valor distorcido: aquilo que oferece prazer imediato a a ser visto como recompensa, mesmo quando pode, em excesso, causar prejuízos à saúde. Substituir a barganha por orientação consciente é um gesto simples, mas transformador, e profundamente responsável.
É necessário falar também sobre a pobreza nutricional que muitas vezes se esconde por trás do excesso. Em muitos lares, por mais que as calorias estejam em excesso, há uma carência profunda de nutrientes essenciais ao desenvolvimento físico e cognitivo da criança. O consumo elevado de ultraprocessados e açúcares, amplamente disponíveis e frequentemente ofertados às crianças, pode não apenas prejudicar a saúde metabólica, mas também comprometer aspectos do comportamento, da atenção e da aprendizagem, além de estar associado a uma maior desregulação emocional e até ao agravamento de sintomas de transtornos mentais.
Em paralelo, não podemos negligenciar o impacto dos ambientes familiares desorganizados ou emocionalmente frágeis. Crianças expostas à negligência afetiva, à instabilidade ou ao excesso de estresse podem desenvolver uma relação disfuncional com a comida. A alimentação se transforma em uma tentativa de alívio, de consolo, de controle. Um modo, muitas vezes inconsciente, de lidar com dores que ainda nem sabem nomear.
Dados do Ministério da Saúde mostram que, no Brasil, 14,2% das crianças com menos de cinco anos estão com excesso de peso ou obesidade, mais que o dobro da média mundial, que é de 5,6%. Isso significa que uma em cada sete crianças brasileiras pequenas já vive os efeitos diretos dessa condição.
Os transtornos mentais, nesse cenário, também precisam ser reconhecidos como parte relevante da equação. É comum que outros transtornos mentais estejam associados como nos casos de ansiedade, depressão e TDAH e etc. Crianças ansiosas podem usar a comida como forma de autorregulação emocional. Crianças deprimidas podem apresentar perda ou aumento excessivo do apetite. Já as crianças com TDAH costumam enfrentar desafios como impulsividade e desorganização, que também afetam diretamente os hábitos alimentares. Diante disso, torna-se fundamental que essas condições sejam reconhecidas e tratadas precocemente.
Para isso, é essencial que psiquiatras infantis, psicólogos, nutricionistas, pediatras e educadores físicos atuem de forma integrada, compondo uma rede de cuidado que compreenda a criança como um ser inteiro, físico, emocional, mental e social. Promover saúde mental é também prevenir obesidade. Cuidar das emoções, estabelecer rotinas, oferecer presença e escuta, tudo isso é tão importante quanto um prato colorido e nutritivo. Não se trata de culpa. Trata-se de corresponsabilidade. De compreendermos que garantir uma nutrição adequada, um ambiente seguro e vínculos afetivos saudáveis é tarefa que cabe a todos os adultos ao redor da criança.
Por fim, é essencial que olhemos para a obesidade infantil não apenas como um problema visível no corpo, mas como um possível sinal de algo mais profundo. Ela pode ser a chave para enxergarmos além do peso, para compreendermos os contextos, os afetos, as dores silenciosas. E, principalmente, para agirmos de forma consciente e generosa na construção de um caminho mais saudável, física e emocionalmente, para todas as crianças.
Se precisar, peça ajuda!

Antônio Geraldo da Silva é presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria