Deputado federal Pastor Henrique VieiraDivulgação
Pastor Henrique Vieira é professor, ator, escritor e deputado federal pelo PSOL. Foi vereador de Niterói de 2013 a 2016. Em 2023, assumiu mandato na Câmara dos Deputados, onde é vice-líder do Governo. Integrante da Igreja Batista do Caminho, combate o fundamentalismo religioso na política. Foi eleito, em 2024, um dos cinco melhores deputados federais pelo voto popular no Prêmio Congresso em Foco. Este ano figura entre os 100 parlamentares mais influentes pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
SIDNEY: Do que trata a campanha "Eu não sou alvo"?
PASTOR HENRIQUE VIEIRA: A campanha "Eu não sou alvo" tem uma perspectiva antirracista. Significa que nós, povo negro, não queremos ser alvo do fuzil da violência — inclusive a violência de Estado — nem da fome. O racismo ainda é uma ferida aberta e a cor da pele define a cidadania neste país. O povo negro não quer ser alvo nem da morte violenta, nem da morte causada pela precariedade econômica e social. Queremos afirmar muito mais do que a nossa sobrevivência — queremos, sobretudo, afirmar a nossa potência de vida. Nas artes, na cultura, na ciência, na saúde, na educação, nos esportes, no jornalismo — cada pessoa com sua individualidade, construindo com protagonismo sua vida, sem a ferida provocada pelo racismo. Vamos realizar cinco grandes encontros com artistas, jornalistas, esportistas, pesquisadores e jovens, todos negros, para elaborar manifestos, além de propostas de legislação e de políticas públicas. A ideia é afirmar a potência negra na história do nosso país.
Quais os objetivos da Frente Parlamentar em Defesa do Estado Laico que o senhor ajudou a criar?
A Frente tem o objetivo de fortalecer a democracia e enfrentar o fundamentalismo religioso em nosso país. A proposta é promover o respeito à diversidade religiosa e também à não crença religiosa. Monitoramos projetos de lei que, de alguma forma, ferem o Estado laico e a liberdade religiosa, ao tentarem impor uma visão religiosa única à sociedade. Entendemos que o fundamentalismo religioso acaba produzindo violações de direitos humanos, especialmente contra religiões de matriz africana, indígenas, povos tradicionais, mulheres e pessoas negras. Portanto, a Frente atua também no sentido de garantir a promoção dos direitos humanos, o respeito à diversidade, à cidadania e à liberdade religiosa. O Estado laico não é contra a religião. Pelo contrário, ele resguarda o direito de todas as crenças e também o de não crer para que nenhuma religião se sobreponha ao conjunto da sociedade.
O senhor integra a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados e já manifestou ser contra o uso de helicópteros, que o senhor e outras pessoas chamam de "Caveirão Aéreo", em operações policiais. O senhor não acha que a proibição do equipamento prejudica a efetividade das ações?
O caveirão aéreo é um absurdo. Não há nenhuma necessidade técnica para o uso de helicópteros como plataforma de tiro, mesmo em situações de confronto. Para garantir a efetividade de uma operação policial, utilizam-se outras variáveis: planejamento, inteligência, monitoramento — não helicópteros em movimento, atirando de forma imprecisa. A pergunta que eu faço é: quem gostaria de viver em uma área onde helicópteros da polícia disparam em movimento? Quantas famílias podem ser destruídas? Quantas pessoas inocentes podem ser atingidas? Qual é a real necessidade técnica? É apenas terror e risco à população. Não há evidências de que seja eficiente. Eu e a deputada estadual Renata Souza, do Rio de Janeiro, iniciamos uma campanha de mobilização e conscientização da sociedade para denunciar o absurdo, anacrônico, desumano e perigoso, uso do caveirão aéreo, que aterroriza o povo pobre e trabalhador do Estado.
Mudando de assunto, estudo divulgado em seminário sobre saúde mental na Câmara dos Deputados mostra que, entre 2011 e 2024, 205 comunidades terapêuticas foram avaliadas e em todas foram encontradas violações de direitos humanos. Quais as irregularidades encontradas? O que a Frente Parlamentar em Defesa da Luta Antimanicomial vem fazendo para impedir essas situações?
As comunidades terapêuticas, conforme diligências e fiscalizações realizadas pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, pelo Conselho Federal de Psicologia e por órgãos de governo, apresentam problemas estruturais graves: internações compulsórias, tratamentos desumanos e práticas de tortura. Recentemente, foi identificado que, em quatro comunidades terapêuticas, havia trabalho análogo à escravidão, proselitismo religioso, terapias de reversão sexual forçada, ausência de psicólogos e de equipe multidisciplinar. Em geral, essas instituições reproduzem uma lógica violenta e violadora de direitos humanos, contrária à perspectiva antimanicomial. O que se encontra nelas são práticas de tortura e a ausência de profissionais adequados para um tratamento ético, humanizado e horizontal. Nesse sentido, a Frente quer amplificar essa denúncia e defender o fortalecimento dos CAPS — os Centros de Atenção Psicossocial — para que, de forma ética, humanizada e baseada em evidências, o cuidado das pessoas com transtornos mentais e dependência de álcool e outras drogas seja garantido.
Em discurso pela candidatura à presidência da Câmara, o senhor afirmou que vai acabar com o "sequestro do orçamento público" pelo Parlamento e que é necessário disciplinar a aplicação das emendas parlamentares. Qual é a sua proposta?
O orçamento secreto é um escândalo cotidiano, com bilhões de reais de dinheiro público destinados sem transparência, sem objetivo claro, sem rastreabilidade, sem contrapartida — provavelmente alimentando esquemas inescrupulosos. Vivemos em um país profundamente desigual, onde cada real gasto precisa ter como objetivo melhorar a vida da população. Além disso, o orçamento secreto representa uma anomalia, pois retira recursos do Poder Executivo, que tem a competência constitucional para aplicar recursos e implementar políticas públicas. Nossa proposta é reduzir o valor das emendas parlamentares e garantir que só possam ser aplicadas emendas com rastreabilidade, controle social, relatório de impacto e do parlamentar responsável. Queremos garantir a redução do montante, a transparência, a rastreabilidade e o controle externo. Apenas emendas que atendam a esses critérios devem ser aprovadas, dentro de uma lógica de transparência, democracia e controle efetivo sobre os gastos públicos.
O senhor lançou um abaixo-assinado virtual para pressionar os parlamentares a não aprovarem a a anistia aos acusados da tentativa de golpe de 8 de janeiro. Entidades civis lançaram outro abaixo-assinado digital. Ter mais de um documento com o mesmo objetivo não enfraquece o movimento?
Quanto mais movimentos houver para impedir a anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro, melhor. Nosso mandato entregou quase duzentas mil s. Não vejo isso como competição, mas como esforço conjunto, uma complementaridade que ajuda a pautar a sociedade.
Houve uma tentativa de golpe. Poderíamos agora estar vivendo uma ditadura — com censura, repressão, tortura como prática de Estado, violência institucionalizada, desaparecimentos forçados, execuções sumárias, controle da imprensa, cassações arbitrárias de parlamentares e dissolução do Congresso. Lembrando que na trama golpista havia até plano de assassinato do presidente e carro-bomba nas proximidades do aeroporto de Brasília. Um país sem memória abre ainda mais espaço para regimes autoritários e violentos que massacram o povo. Portanto, a tentativa de anistiar é uma forma de "ar pano", de naturalizar os ataques à democracia. Não anistiar não tem a ver com vingança — tem a ver com justiça, memória, respeito à democracia e à soberania do povo brasileiro.
Houve uma tentativa de golpe. Poderíamos agora estar vivendo uma ditadura — com censura, repressão, tortura como prática de Estado, violência institucionalizada, desaparecimentos forçados, execuções sumárias, controle da imprensa, cassações arbitrárias de parlamentares e dissolução do Congresso. Lembrando que na trama golpista havia até plano de assassinato do presidente e carro-bomba nas proximidades do aeroporto de Brasília. Um país sem memória abre ainda mais espaço para regimes autoritários e violentos que massacram o povo. Portanto, a tentativa de anistiar é uma forma de "ar pano", de naturalizar os ataques à democracia. Não anistiar não tem a ver com vingança — tem a ver com justiça, memória, respeito à democracia e à soberania do povo brasileiro.
Uma das propostas da Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados para regularizar as redes sociais é a criação de uma taxa para grandes empresas do setor. O senhor concorda? Tem uma proposta alternativa?
A regulação das grandes plataformas digitais é fundamental para a democracia no nosso tempo histórico. Defendemos que essas plataformas bilionárias — algumas das empresas mais ricas do mundo — tenham mecanismos de corresponsabilidade para impedir discursos de ódio e o cometimento de crimes no ambiente digital. Isso não tem nada a ver com censura ou a retirada da liberdade de expressão. Quem afirma isso está distorcendo a proposta. Queremos é mais transparência nos algoritmos, para que possamos entender quais discursos são impulsionados e quais são limitados — e por quê. Também queremos garantir que o que é tipificado como crime no Código Penal não possa ser livremente disseminado na internet. Lembrando que há conteúdos com planos de assassinato, aliciamento de crianças e adolescentes para práticas criminosas, entre outros absurdos. Ter uma regulação ética é senso de justiça e de democracia. Trata-se do uso responsável da liberdade.
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