KAKAY12JUNARTE PAULO MÁRCIO

“O destino não vem do exterior para o homem, ele emerge do próprio homem.”
Rainer Maria Rilke
Quando mudei do interior de Minas para Brasília, para tentar fazer direito na UnB, eu conhecia poucas cidades. Nunca tinha viajado de avião e havia ido 2 vezes à praia. Então, fiquei encantado com as luzes da cidade.
Na primeira noite, saí de carro com os meninos da quadra onde eu morava com um tio que me acolheu. À época, fazia muito frio em Brasília. Rodamos pela cidade, fomos a 2 bares e, de manhã, com o dia nascendo, o motorista parou o carro, ao lado de outro, na frente do prédio da OAB/DF na Asa Norte, muito longe do apartamento da 308 Sul, onde eu morava. Ele desceu, quebrou o vidro do outro carro e roubou o gravador. Fiquei perplexo: um universitário, família bem de vida, com dinheiro e prestígio. Eu dei um grito para ele não fazer aquilo e ele respondeu que furtava, vez ou outra, um gravador para colocar gasolina no carro. Surpreso, o repreendi e ele disse, com arrogância, para eu descer do carro se não concordava. Eram 5 horas da manhã. Fazia muito frio, uma neblina intensa e eu sem dinheiro para pegar um ônibus. Desci. E o motorista disse que eu iria sofrer muito em Brasília com minha visão “moralista”. Fui andando pela W3, no frio, por mais de 2 horas até chegar em casa. Hoje, pensando nesse episódio bizarro, tenho a certeza de ter feito a opção certa. Às vezes, muitas vezes, são os detalhes que forjam nosso caráter.
Não sei por que, lembrei-me desse episódio ao rememorar como os EUA trataram a invasão ao Capitólio e ao acompanhar como o Brasil está enfrentando a tentativa de golpe de 8 de janeiro. Os norte-americanos elegeram Trump - a invasão do Capitólio praticamente não deu em nada - e os EUA enfrentam uma decadência sem precedentes. O presidente americano acabou de fazer uma intervenção branca na Califórnia, mandou as tropas federais para a rua, já demitiu e entrou em guerra aberta contra seu financiador e assessor especial, Elon Musk, abriu um ime comercial com praticamente todos os países, cancelou outros e promove uma perseguição sem nenhum limite contra os imigrantes. Isolou o país.
Da esteira onde corro pela manhã, assisto os interrogatórios dos réus do 8 de janeiro e estou escrevendo antes de o Bolsonaro falar. Vez ou outra, a transmissão é interrompida para mostrar o caos nas ruas norte-americanas. Por aqui, o processo penal da tentativa de golpe corre em perfeita normalidade.
O interrogatório é um momento delicado. É a única chance de o acusado fazer sua autodefesa. O réu só fala durante o interrogatório, tudo o mais é com a defesa técnica. É simbólico acompanhar o julgamento com todos os réus sentados na primeira fila, cabisbaixos e com medo. Todos não, o General Braga Neto, ex-ministro poderoso e candidato a vice-presidente da República, está preso desde dezembro. Sem nenhuma intercorrência, a instrução vai deixando evidente, para quem tem experiência em advocacia criminal, que, até setembro, todos os 8 réus - ex-presidente Bolsonaro, 2 generais, 1 almirante ex-chefe da Marinha, 1 ex-ministro da Justiça – já poderão estar condenados a uma pena que deve ar dos 28 anos de cadeia. E que deverão ser presos da mesma maneira que mais de 400 outros golpistas estão condenados e presos.
É constrangedor, mas, ao mesmo tempo, salutar ver pessoas tão poderosas sentadas no banco dos réus e o Brasil seguindo uma normalidade institucional. Os bolsonaristas arrotavam que, se alcançassem os militares de alto coturno e o mito Bolsonaro, o país iria parar. A força da Democracia chegou a essa organização criminosa e não há nenhum sinal de qualquer turbulência. Ao contrário, o que vai efetivamente pacificar o país é exatamente o enfrentamento, a condenação e a prisão dos golpistas que tentaram implementar uma Ditadura no Brasil. A história ensina que é necessário ter coragem e dignidade para saber a hora de descer do carro.
Lembrando-nos de Pessoa, no Poema em linha reta: “Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado para fora da possibilidade do soco”.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay